sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

A Frouxidão do Chorão

Quem é que não conhece um bom Chorão?
O Chorão é daqueles espíritos que nunca estão satisfeitos.
A capa de modéstia serve apenas para manter um estatuto pária e descomprometido em relação aos cromos de topo, só para não se notar muito quando o pico de forma acabar de forma dramática, quebrando o cristal de encantamento dos bons resultados episodicamente registados e revelando desse modo a verdadeira essência de frouxo miserável.
Um frouxo sazonal. Mas um genuíno frouxo, não haja dúvida.

O Chorão é aquele que ainda agora chegou à falésia e já se está a lamuriar pelo seu alegado estado depauperado de forma física, as mazelas do treino, as lesões lesivas e as influências sociopolíticas do clima sobre a capacidade atlética do momento.
É aquele que zomba do povo humilde e trabalhador, aquecendo nos seus projectos para o dia, saltitando nas ínfimas presas, aproveitando os repousos para “não repousar” entre gemidos e grunhidos mal-fingidos, que acompanham o inexistente “estado-limite” de esforço.
As expressões faciais e vocalizações (quando as há) soam a falsete, tudo parte duma capa de fingimento hiperbolizado à saturação, quando na verdade, todos os sistemas músculo-hidráulicos dão um show da mais suspeita fluidez vinda duma carcassa de hominídeo, alegadamente, acossada dos maiores achaques e moléstias, supostamente.
Uma auto-estima que se apresenta tão baixa como as mais baixas, nem o cão mais lazarento e escrofuloso convenceria tão bem, não fosse aquela mecânica mágica de membros apanhar tudo o que há e não há, nas vias mais reputadas, sem um suspiro, como quem apanha cerejinhas à altura dos olhos. O canastrão parece que escorrega para cima, sem o mínimo ruído de respiração, ou já agora, de qualquer outro sinal vital que seja.
É esse mesmo. O Chorão. Na verdade o Chorão não passa de um frouxo “refinado”.
A auto comiseração é o seu habitat. Estratega da própria imagem usa habitualmente a metáfora neurobalística.

Como adepto da neurobalística, e a sua arma favorita é a fisga. Sim, uma fisga como daquelas dos putos, mas imaginária. Mero recurso de estilo.
Fixa-lhe o cabo numa via prestigiante (pela aura mística ou pelo grau), apoia-se no meio dos tirantes elásticos e começa aplicar-lhes a devida tensão, submergindo-se em lamentações cabisbaixas e caretas desesperançadas do encadeamento. E vai esticando, em profundidade, os elásticos na directa proporção dum chorrilho de comiserações à volta das últimas desventuras psicomotoras que o atormentam.
Espoja-se e enterra-se figurativamente no pó do chão escavando incertezas pouco incertas, bem nutridas de ladainhas de dores e terrores infindos, na antevisão do “além” dos passos (de caca) da entrada.
Nesta altura, a mesmíssima via já adquiriu um valor bem acima do barril de Brent e o escalador começa a recolher os apoios sentidos da plateia. (Pelo menos os apoios daqueles que não conhecem já o intérprete… e às vezes, mesmo dos que já o conhecem).
… E estica ainda mais os elásticos… Recordando um longo historial das suas cicatrizes “de guerra”. Se não chegarem as próprias cicatrizes, toma de empréstimo os fracassos dos autores das tentativas anteriores. Sim, esses é que eram uns valentes, dignos de toda a ordem de elogios (que o “chorão” recolherá mais tarde).
… e os elásticos da fisga esticam, e esticam, e esticam… até quase à ruptura (da elasticidade e contenção do auditório de olhos já marejados de lágrimas).
Neste momento ou se solta da fisga e aceita as consequências ou continua incrementar o chorrilho de queixinhas, rebentando o elástico da credibilidade e cai estatelado no ridículo arriscando-se a perder as indispensáveis atenções da assistência.
Levou ao extremo da expectativa, a atenção complacente de todos, e vai arrastar esse sentimento a cada passo que dá em direcção à muralha infranqueável (são só 6 chapas num bordilho, mas agora parece o FitzRoy).
Até ao último momento antes de começar a escalar, paira no ar uma atmosfera que apela intensamente à misericórdia mais sentida, ouvem-se violinos, e um coro de vozes cristalinas da “Cantata per una infanta defunta” ecoa na mente de todos.
Um ambiente de comiseração do mais pungente e complacente. Todas as almas estão em farrapos. Afinal, trata-se da criatura terrestre mais sofrida e moribunda, cuspida e escarrada pela vida, e que apesar de tudo, no estertor das ultimas forças, investe tudo na ascensão de uma via. Alguém que se ergue nos pés de gato “arruinados” (recauchutados há uma semana) carregando dependurados do arnês todas as agruras duma ”Retirada de Caporeto”.

È então que…
… ZÁS!!
Libertam-se os elásticos.
Sai disparado em direcção ao top.
Há quem vá gritando as presas boas.
Não as ouve.
Agarra ao lado… hoje é tudo bom.
Não rectifica nem corrige um movimento que seja.
É que, por acaso, hoje é tudo bom.
O segurança quer acabar de comer a sandes.
Não pode.
Tem de dar corda desalmadamente, porra!-porra!-porra! dá!dá!dá!dá!
O “animal” mal pára nos descansos.
Fica por demais óbvio, que a via está bem abaixo das possibilidades do escalador – e por isso só cabe deduzir que se trata de um frouxo oculto. “Filho de frouxo sabe afrouxar” não se expondo facilmente a testes mais exigentes. Também não é parvo!

È um festival da maior efusão! Todos sentem que um pouco de si chegou ao top
Esfrega-se bem os olhos para acreditar… é fabuloso! Maravilha!
- Este gajo é um autêntico boi de força – Booaa!
- Até deu gosto ver!
- Parabéns pá!
- Parabéns seu tangas!
- “nhã-nhã-nhã… que era muito difícil…” e afinal…
- Subiu que parecia o macaquinho Fishuber….Impostor!
- Palerma! Chorão de m*rd*! Vai enganar a tua prima ó tretas!
… Anda práqui a fazer filmes e agora sai-se com esta? Vai-te-c’gá’páá!

A Reacção dos humilhados e infortunados candidatos ao encadeamento da preciosa via não se faz esperar.
Aquele bocadinho de cada um, que, há segundos tinha atingido o top, esborracha-se na indignação geral.
Chegado ao chão desdobra com cuidado o seu “saquinho” (ilusório) de donativos, que circula entre os presentes recolhendo (figurativamente) por entre assistência os elogios que investiu nos méritos alheios e nos que entretanto se multiplicaram. É o cúmulo da “arte financeira” semita em unidades medida de satisfação efémera.
Encadeou. Mas não perde tempo em manifestar a sua insatisfação pelo esforço dispendido, e “- não agarrei tal presa… e os pés até saíram… não foi bem como eu queria… eu não merecia encadear…” – que nojo de descaramento! – “… não estava à espera… porque é que hei-de ser tão bom(a) tão excelso(a) e lindo(a)? Não é justo (suspiro)” – e a assistência, abanando a cabeça: - Porquinho! Porquinho chorão! Vai-ta’pó…!

Há um prazer mórbido nesta dialéctica de arrastar ao mais profundo da humilhação pessoal as expectativas para depois, num repente, virar tudo ao avesso, saindo projectado em glória, uma glória esplendorosa, da mais aparatosa apoteose de sucesso.
Patológico. O Chorão chega a “meter nervos” nas pessoas. E isto é genial.
Trata-se de um exercício de polimento do ego sustentado na criação de uma grande amplitude ascensional na escala da admiração pública. Essa amplitude que vem desde o patamar mais baixo e profundo da penúria humana e que, por vir de tão baixo, toma contornos de fulgurante ascensão. Quando na verdade fez o que já outros fizeram por um preço mais “barato”. Tretas, no fundo.
Se tivesse começado ao nível do chão, “na base da via”, a glória seria “só metade”. Assim, como fez um choradinho de lamentações, “cavou” uns patamares mais para baixo acrescentando à via, metros, grau e valor, sem por outro lado arriscar ser pontapeado pela plateia caso falhe, uma vez que já conseguiu amealhar uma grande compreensão e humanidade nos corações de todos.
Isto é genial!
Eis “o chorão”.
Quem nunca escalou com um bom chorão que verta a primeira lágrima!

1 comentário:

chb disse...

Divinal!!! lol

Este fim-de-semana que passou bem que vi lá em Poios, durante o Jantar da Irmandade, o "chorão" de cada um... Nunca tinha visto tantos pseudo-"frouxos" a explanarem a sua ladainha "choramingas", antevendo as prestações do dia seguinte... E assim foi... era vê-los cair que nem tordos (passarinhos à parte!)

Mas esta dupla promete... viu-se durante o jantar que eram portadores de um alto gabarito crítico, capazes de expôr por aqui todos aqueles promenores que muitas vezes todos pensamos, mas poucos verbalizamos...

Continuem!