segunda-feira, 20 de novembro de 2006

o jantar dos frouxos

Uma vez que padeço de uma doença crónica de decotação, cujo sintoma se manifestou quando descotei a via "poios" para IV+, após encadeamento ao quinto ensaio (do dia), considero-me intimado.

Vai ser assim a modos que do c 'ralho.

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

a queda de um mito, mas não de um frouxo

"O rabeta foi lá em top". É desta forma injuriosa que nos comentários d'outro estaminé se comenta a ascensão de Alain Robert à Torre Vasco da Gama. Reconheço o ataque. Aguento a injúria. Engulo a falácia (epá, isto não soou nada bem). E, tal como Chris Sharm... aliás, Jesus Cristo, dou a outra face.
Ao que parece, o spiderman francês, como é conhecido pelo público em geral (ou "superman francês" como é conhecido pela redacção do jornal Público em particular, pelos vistos o superman também escala prédios, deve ser quando está impossibilitado de voar porque se esqueceu da capa na lavandaria, vá lá, não lhe chamarem "capitão américa francês" já não foi mau) foi impedido de escalar a torre a solo. Mas nem assim o intrépido escalador hesitou, aceitando o desafio de braços abertos e realizando a ascensão do edifício com a corda por cima.
A notícia rebentou que nem uma bomba na nossa comunidade. Braços ergueram-se para o céu, vozes bradaram "infâmia", gargantas clamaram por vingança. Até já ouvi escaladores a dizer, algumas mulheres incluídas, que não querem mais ter um filho de Alain Robert. Pela minha parte, foi com uma lágrima no canto do olho, mas uma lágrima de esperança, que assisti a este glorificante espectáculo. Porque na verdade, o épiderman francês sabe que a escalada em top é o mais parecido que existe com escalar a solo. Como alguém disse num determinado fórum de escalada, estou mais além, sou um visionário. Aliás, aproveito para anunciar que da próxima vez que for à Guia, vou solar a via verde!!

Não queria terminar sem enviar um abraço de apreço ao jornalista da SIC que a julgar pelas sábias palavras - "vamos assistir à escalagem do alpinista francês" - deve ter lido o meu blog antes de fazer esta reportagem. É bom saber que uma parte da classe jornalística ainda se documenta convenientemente antes de tratar estas matérias.

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

a frouxidão dos passitos

Não sei porquê, caio sempre nos passitos. A malta diz-me "ah, a via é uma cagada, só tem um passito ali a meio". E eu vou todo contente, chego à via e faço os passos todos, faço o passo antes, o passo depois, só não faço o passito. Normalmente o passito é uma cena do estilo agarras o monodedo que está no cú de Judas, epá, espera lá, monodedos no cú de Judas não me soa bem, pronto, o monodedo em cascos de rolha, nunca percebi o que são cascos de rolha, será que as rolhas têm cascos, se têm nunca os vi, e depois sobes os pés numas cacas e lanças ao bidedo bom. Claro que os passitos não são sempre assim, às vezes sobes em regletes de menos de uma falange enquanto tens os pés em cacas, para depois lançares ao bidedo bom. Ou ainda, agarras aquela lateral mesmo má e, pés na caca, lanças como se não existisse o amanhã para o bidedo bom. Em qualquer dos casos, acertas acima, abaixo, ao lado, mas nunca chegas a agarrar o bidedo bom. O que é uma pena, porque o bidedo bom é mesmo bom. Aliás, é esse bidedo bom que dá a cotação de dois graus abaixo do que a via realmente custa. Tudo porque o pessoal forte se agarrou ao bidedo bom e viu "eh, pá, isto é mesmo bom. Que cagada!"
As vias de passitos fazem lembrar-me as francesinhas, por causa do diminutivo. Um gajo pede um pastelinho de bacalhau e come-o de uma dentada. Chega a casa de um amigo e oferecem-lhe um bolinho. Ou uma bolachinha. E julga que a francesinha também é coisa para se comer de uma só vez (a descrição pode enganar, mas refiro-me à iguaria, não à cidadã de origem francófona). Um gajo até se arma em lambão e pede duas, a pensar "bom, avio já isto tudo, nem demora dez minutos" ou "ui, que vai saber tão bem". Volto a lembrar que continuo dentro do domínio da gastronomia. Depois quando chegam à mesa é que um gajo percebe que as francesinhas parecem francesonas. Afinal de contas, é coisa para andar de volta daquilo durante horas. No fundo, como nos passitos.

terça-feira, 7 de novembro de 2006

...

Noutro dia, um amigo aconselhava-me contra a tentação de me empenhar em demasia na escalada, em detrimento de outros prazeres (e deveres) da vida. Dizia-me ele que era importante saber colocar as coisas em perspectiva e não depositar todas as esperanças, energias e motivações unicamente na escalada. Porque se a escalada falha, se a motivação se vai… a verdade é que todos nós sabemos o que é o vício, aquele gostinho especial de tentar fazer a via, a parede, o cume… e aquela ânsia que nos faz esquecer rapidamente o sucesso de ontem e que faz a nossa vida girar em função do objectivo de amanhã.
Por paradoxal que pareça, a conversa acabou por incidir sobre a escalada como objectivo de vida. Apesar de tudo, não será legítimo devotar o nosso esforço a subir calhaus? Se outros trabalham para poderem gastar os fins-de-semana no Colombo, porque raio não poderemos nós trabalhar para a escalada de fim-de-semana? Neste breve período em que estamos animados, em que não somos simples matéria orgânica, haverá alguma razão que nos impeça de desfrutar ao máximo? Quando morrermos, o que levamos connosco? O que é mais legítimo? Passarmos a segunda metade da vida conduzindo um Mercedes SLK ou podermos dizer que subimos ao ponto mais alto de cada parede que encontrámos?
Hoje, quando estava a preparar-me para atravessar a rua, hesitei em apertar o botão de um semáforo. Veio-me à memória a criança que morreu em Lisboa, há alguns anos, depois de carregar no botão para que o semáforo passasse a verde. E lembrei-me de uma frase feita, dita numa conversa que tive há cinco dias com um amigo, sobre a infeliz notícia do dia anterior. O meu amigo, que não conhecia o Bruno Carvalho, disse-me “ao menos, morreu a fazer aquilo que mais gostava”. Na altura, pareceu-me um ponto de vista quase banal, até porque não estava capaz de ter uma leitura tão fria da situação. Mas agora, colocando as coisas em perspectiva, penso sobre qual será a forma mais estúpida de morrer: após realizar o sonho de anos, talvez de uma vida, mesmo que este tenha sido pago com o preço mais alto, ou electrocutado por um semáforo?
Muitos amigos meus que obviamente não escalam comentam a morte do Bruno apelidando o seu sonho como um acto louco, impensado, pura e simplesmente um desafiar da morte. Reduzir esta tragédia à condição da consequência natural de um acto gratuito e irracional é retirar todo e qualquer significado à vida do nosso companheiro. Sei que ele conhecia os riscos mas a sua vontade de sonhar falou mais alto. Porque ele sabia que só seguindo os nossos sonhos poderemos ser felizes. Apesar de conhecer o risco, o Bruno escolheu ser feliz.



Não te esqueceremos.