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sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Laura Frôxa & Marta Xorona, em grandes embrulhos com Paulo fRoxo





img expropriada de rppd.blogspot




Este ano, fomos mandatadas pelo Pai NatAl-pinista para fazer a triagem dos pedidos dos meninos escaladores e também para ajudar na embalagem, por medida, das correspondentes prendas.
Para esta árdua tarefa dedicamos um longo e ameno serão com um voluntário incauto, litólatra como poucos, com quem inventamos uma elucidante conversa, aqui partilhada com todos, (em especial com as nossas fiéis e interessadas leitoras, e já vão ver porquê…).
Fizemo-lo antes que ele fosse tomado pela melancolia da quadra e se tornasse epistoleiro como parece ocorrer por estes épocas na Terra dos Coelhos [1,2,3].


Paulo fRoxo dispensa delongas em apresentações acrescentamos apenas o que não consta nos curricula. Ainda que a alguns possa suscitar desconfortos, a realidade é que o próprio se tornou num biótopo da escalada em rocha e uma parte significativa da escalada vive quando Paulo Roxo se mexe.
Detém, desde há muito, a cátedra da moderna litologia na Universidade da Ponta-da-corda e os Politécnicos da escalada, sequiosos e ávidos, arrebanham-lhe os escritos ainda mal arrefeceu a SDS na sua litoteca.

As vastas hordas de visitantes do Escalagem reclamam porque é que não são eles contemplados pelo brilho das luzes da ribalta com uma entrevista neste estaminé. (bem vistas as coisas, talvez não tenham sido assim tantos a reclamar, mas talvez e apenas o mesmo pérfido votador-compulsivo-apagador-de-cookies que vota por todos os abstencionistas do Alto de São João).
A resposta é simples.
Neste blog, o grau está ajustado, e é tipo “bué-à-morte”, não há gavetões para agarrar. Connosco não há cá cocós: à 2ª tentativa ainda vamos em top.
Além disso, Paulo fRoxo, mantém, ao contrário de algumas intocáveis altas-autoridades-para-a-escalada-em-rocha, juntamente com a sua esquadrilha, mantém um terminal de distribuição do “banco-alimentar-contra-a-fome-de-rocha” muito rico e variado, onde destacamos as inúmeras imagens de trepadores com a corda à frente do nariz, onde agarrar expressos e pisar plaquetes não está assim tão mal visto (o que apraz duma maneira muito especial ao colectivo do Escalagem).


Convidámo-lo para desvendar alguns dos velhos tacos ainda entalados nas interrogantes do futuro e pô-los na nossa crepitante lareira, só pelo prazer de ver este Torquemada da ruminância desportex a torrar Jocundas do nosso tempo, no aconchego da lareira.

Laura Frôxa: Paulo, bem-vindo a este estaminé (Marta! Já viste que o casaco dele é de Glory-Tex?)
Marta Xorona: Entra! Entra! Autosegura-te e fica à vontade!
Paulo fRoxo (PfR): …Recebi uma chamada de que precisavam aqui dum técnico de trabalhos em altura para por a estrela no pinheiro de Natal. Onde está?

Laura F: Esquece isso. Já conseguimos . Vamos ao que interessa!
Marta X: temos aqui um trabalhinho em mãos e tu vais ajudar-nos.
PfR: Humm. Aviso já que duvido muito desta ideia de entrevistar as pessoas sem o seu conhecimento…

Laura F: Vamos só abrir aqui umas destas cartinhas dos meninos escaladores portugueses…
Marta X: … em são convívio… não te preocupes que nada do que vai ser registado é de fiar.
PfR: Bom. Então prometo dizer pouca verdade e nada que seja verdade!

Laura F: E o Alpinismo como vai?
PfR: Bem. Obrigado por perguntarem.

Marta X: (Engraçadinho…)
Laura F: Directos ao assunto: Eiger. Quantas vias de homenagem às tentativas ainda vamos ter?
PfR: Seria bom sinal que mais nenhuma. (Hehehe!) Neste momento já pesam um pouco as frustrações das passadas tentativas. Por mais desmoralizador que se tenha tornado não me faltam objectivos e ambições noutras paredes. A maior agravante das tentativas é todo o esforço na reunião dos meios que se vê uma e outra vez gorada. E esta é realmente a parte mais desgastante. A Norte do Eiger continua na lista. Talvez um dia.


Marta X: E a rocha? Afinal está a acabar o terreno virgem ou não?
Laura F: …e o que resta para as gerações futuras?
PfR: Temos aberto vias em muitos locais diferentes deste país. É certo que em algum tempo as linhas mais óbvias e atractivas serão desvendadas como já foram desvendadas as vias mais clássicas das apreciadas falésias desportivas e restarão outras mais”rebuscadas”. Seja pelas minhas mãos ou pelas mãos de outros escaladores. Preocupa-me deixar um legado que se relacione tanto quanto possível com a qualidade. Há ainda algum terreno. Tudo requer motivação e visão. A motivação suficiente para ir um pouco mais longe e descobrir essas linhas que aparentam ser pouco promissoras.

Laura F: Acreditas que essa “visão” e criatividade tem limites ou “tudo o que é rocha e não mexe” admite uma via?
PfR: Com alguma certeza há linhas mais agradáveis de abrir e repetir do que outras. Quanto a mim sempre tenho empregado uma boa dose de imaginação e isto tem-me resultado bem. Muitas vezes ainda me consigo surpreender com a quantidade e diversidade de largos duma qualidade excepcional que se me vão deparando. Se bem que, também é verdade que algumas vezes entre excelentes largos, tenho atravessado terreno que só por si não traz grande mais–valia e afastará, seguramente, os repetidores. Estou convencido de que não se poderá abrir indefinidamente uma amálgama de linhas sobrepostas, entrecruzadas e acotoveladas entre si sem perder muita da qualidade que ainda me vai mantendo neste País.

Marta X: Vamos começando a abrir algumas cartas para vermos o que pedem os nossos pequenos escaladores. Vamos lá começar por esta esta “Caro Pai Natal eu sou o Leopolvo, blablablablá, … e sinto dificuldade em agarrar aquelas…. assim pequeninas, mitradas … queria mais força!... para regletinhas … mais força…tipo reglete mitrada… de agarrar assim… queria mais força para vincar assim!… mais força… e mais força de dedos… arquear… assim!...
Laura f: Pois… é mesmo isso que lhe faz falta...
PfR: É de conceder! Claro! … tipo… placebo.

Marta X: Vale a pena esta corrida por estas paredes que fogem muitas vezes ao estereotipo do bigwall de rocha limpinha e cortada à faca das Reginas e Montrebeis, etc?
PfR: Na maior parte das vezes vale. Apesar de tudo, também eu prefiro uma boa rocha compacta e de preferência que se possa superar da forma mais “livre” possível. Mas não houver outra forma razoável de passar sem expansões, a máquina avança.

Laura F: essa tua ideia leva-nos a outra questão: Os bocados de corda são reunião?
Marta X: … e os largos de burilada tem interesse ou são alguma forma de recuo no estilo de escalar?
PfR: Na minha opinião e na forma como aceito os riscos próprios da escalada, os bocados de corda são melhores que nada. Durante a abertura de uma via, vindo de baixo com um equipamento já de si muito pesado, ainda carregar com boas correntes de reuniões, para vias que por vezes têm 4, 5 6 largos é simplesmente surreal. Em posteriores repetições admito que as reuniões venham a ser sempre melhoradas e creio que tenho feito imagem de marca da qualidade das protecções fixas que coloco, na absoluta maioria das minhas vias. Quanto às buriladas, não me orgulho muito delas. Acabam por ser as transições possíveis entre largos de maior interesse caso contrário mais valia abandonar o projecto.

Laura F: Vamos abrir outra carta: “Querido Pai Natal… dáh!-dáh!-dáh!, sou o Nuninho… Sei que não deves estar muito contente comigo este ano… Não foi por mal… Qualquer pessoa se engana! Tu também dizes que as tuas renas são renas mesmo a sério, mas vê-se bem que são muito mais pequenas do que as renas… e até já estive a falar com Filipe e estamos de acordo de que são apenas cabritos e tal... Portantos, … o outro já se partiu… e queria um novo… 36 volts… dáh!-dáh!…
PfR: O que ele quer sei eu!... Concedido… uma aparafusadeira do Lidl e uma tabela de conversão de graus… vá! Embrulha aí!

Marta X: Nos teus escritos e na dos teus cordadas habituais transparece uma intensidade emocional de envolvimento nos empreendimentos pouco comum. Passo a transcrever um excerto escrito por um teu comparsa habitual (MG), diz ele: "muitas destas questões povoam subtilmente profundos recantos do meu pensamento em noites plenas de estrelas que brilham reluzentemente no escuro céu, mas submerso numa gigantesca tormenta de confusas explicações sem sentido em longas horas de insónias. (...) tanto tempo perdido, retirado involuntariamente das doces e agradáveis horas de sono. (…) uma grandiosa parede numa horrivelmente bela montanha sobre a qual um involuntário desejo leva-nos numa busca do infinito desconhecido (...)”…Vocês estão a ficar “sensíveis” do género… tipo… sensível?
PfR: Vou alertar o meu companheiro para os riscos dessa “sensibilidade”. Para explicar um tal nível de envolvimento e a forma como é expresso depois, é preciso perceber que estamos muitas vezes em terreno novo ou muito pouco frequentado. O grau de incertezas é alto e tem de ser vencido por nós em condições em que recuar não é possível nem fácil. Este compromisso cria laços entre as pessoas que se vêem consortes para o melhor e para o pior. É a própria vida que está em causa. Ao concluir certas empresas, com tanto sacrifício e esforço, momentos tensos, … expostos a tudo quanto a natureza nos atira… quando finalmente acaba, sentimo-nos como dois desgastados guerreiros das rochas, que jazem sobre a imensa parede, após uma épica campanha, prostramo-nos, com os braços estreitamente envoltos um no outro duma forma que demonstra claramente a nossa amizade, mas que deixa, também, muito claro que não somos rabetas.

Laura F: Bem... é melhor lermos mais uma carta: “Querido Pai Natal… nhá-nhá-nhánhá… sou menina… e porque sou menina… encadear “tipo-bué-à-muerte”… bué oitavos inumanos… daqueles com buzonacos inumanos… nhánhá-nhánhá… e porque sou menina… buzonacos!"
PfR: Hummm…!
Marta X: Espera! Ainda continua atrás… - “…dá-dáhn… buzonacos… sou menina… e ficar inumana para encadear… e achas que não tenho t’mates para sacar?... Achas?!... e nhá-nhá!...”
PfR: Epá!... Epá! Está bem. Concedido! … mas só porque é menina!

Marta X: Vamos passar a outro assunto. Os escaladores Portugueses. Como são? Uma comunidade real com consciência do bem comum ou um mero incidente de convergência de gostos desportivos?...
PfR: Pergunta difícil porque não é possível compor um retrato claro. Está mais que provado que somos capazes de criar e crescer pela expansão do número de praticantes, pelas alterações que os praticantes fazem na sua vida uma vez comprometidos com a escalada, e acima de tudo pela óbvia exploração e frequentação dos espaços de escalada. Mesmo sem grandes apoios estruturais. E isto é da sua identidade. Quanto à capacidade de concertação para maiores propósitos do interesse comum já guardo maiores dúvidas se não mesmo, descrença.

Laura F: Como vês o ambiente entre os praticantes? Como somos? Dividimo-nos entre os altaneiros e os culambistas ou temos outras classificações possíveis?
PfR: Há-de haver muitas interpretações. Nos últimos anos tem havido mais comunicação entre os escaladores. Se estes coincidem ser também agentes activos no que se passa nas fragas por esse país fora só há que reconhecer quando fazem bem, elogiar se sentimos satisfação no seu trabalho e, por outro lado, manter a cordialidade quando há potenciais focos de mal-entendidos. Participar nas conversas da tasca, na falésia, nos blogs e nos fóruns não tem porque ser um exercício de culambismo. Isso seria quase equivalente a afirmar que os que não participam em nenhuma ou qualquer uma dessas formas seria um modelo de carácter.

Marta X: E mais uma cartinha. Eia! Olha esta!... O que isto?! Parece que foi escrito a gritar…!
PAI NATAAAL. VELHOTE! COMO É QU’É?!!! OLHA!… QUERO ISTO… ASSIM-ASSIM! … REVALIDAR O TÍTULO!… E OS MEUS AMIGOS DE LONGA DATA… O DANII… E ENCADEAR COM O DANI …ÃNH!?... VISTE COMO EU FIZ AQUELE PASSE… ÃHN?!... VISTE? OLHA! OLHA!! ESTIQUEI ASSIM… ÓOLHA! AGARREI A AOUTRA COM A DIREITA… ASSIM! OLHA! ÓOLHA!... OUVE! AQUILO É SÓ APERTAR ASSIM COM ESTE DEDO… COM ESTE DEDO! TENS DE FAZER COMO EU ESTOU-TA DIZER!... ESCUTA!... OLHA!... É SÓ…
PfR: Fecha!
Laura F: … E quê?
PfR: Fecha! Fecha!
Marta X: Mas e então?...
PfR: Concedido! Concedido! … Mas põe aí uma cruzinha qualquer dessas, da parte de trás do envelope…

Laura F: Vamos agora falar um pouco do passado. Já lá vão mais de vinte anos na vertical. Queres contar-nos algumas das recordações mais marcantes dos primeiros tempos?
PfR: Não. Mas visto que não posso impedir-vos de continuar a pôr-me a dizer barbaridades, vou apenas repassar algumas sensações difíceis de explicar e transmitir nos dias de hoje, lembro-me por exemplo da escassez de material ser tão grande como a ilusão que nos movia pelas muralhas do Castelo de São Jorge, o nosso Alvaláxia da altura. As vias de aderência com as Sanjo nos pés. A corda do António que servia para todas as cordadas da época da zona de Lisboa. O entusiasmo de ler as raras revistas de escalada que nos vinham parar às mãos. O nervoso miudinho e a excitação de ir ao desconhecido nas primeiras viagens para fora do país. Até os catálogos de material nos fascinavam… e o filme marcante do Patrick Edlingerie.. “a vida na ponta dedos”... Nessa época não havia vengas era só allez doucement!... Tem o seu quê de saudoso.

Marta X: Vamos então ver extractos de um desse vídeo histórico para tentar perceber o espírito que se vivia na vossa geração.





PfR: Bem… isto está um pouco retalhado do original… e não mostra muito…

Laura F: Não mostra muito! Havia mais??
Marta X: Vamos ver agora com mais precisão o excerto fulcral para perceber qual a sua influência na evolução dos escaladores em Portugal .




PfR: Ora! O Edlingerie era apenas um dos considerados melhores escaladores da época. O estilo, a ideais novos, exerceu algum fascínio mas nota-se que são apenas segmentos do filme…

Laura F: Sem rodeios… Para os leitores que estão lá em casa, uma resposta sincera… de que modo estas imagens influenciaram a escalada neste país?
PfR: Ora… são obviamente imagens históricas, assim sem o enquadramento das sequências está tudo um pouco fora…

Laura F: … Um pouco fora? Eu diria que está tudo fora!
PfR: Bem…
Marta X: … Sentiam-se atraídos por ele??
PfR: Vamos antes ver mais esta carta… “Pai Natal, sou o X, e eles aqui no bairro, curtem de ti à brava, ... e blábláblá… tu lembras-te de … daquela vez, eu a embrulharzlias com as tuas barbas? Hân!... E tu a paparzlias… já ‘tavas um bocado mamado?! Um bocado é favor!... hréeh! ... Eu, neste Natal só te queria pedir uma papôlha. Só uma papôlha. O resto eu oriento-me. A outra cena que a gente cominô, aquilo p'ó fim-de-semana! … bla-bla-blá! … e um gândasabão. Se houver espiga… pões dentro de um preservativo no fundo do teu saco, que eles não vão lá ver… gandasabão!...
Marta X: Laura. Não percebi nada!...
PfR: UoU! Isto deve ser dâ-malta-du-Bârrei…! Concedido!

O Serão continuou com a abertura de mais umas quantas cartas e outras revelações escandalosas oportunamente se ocultam.

LF&MX: Despedimo-nos então, com os votos de um bom Natal e um ano de 2008 muito feliz. Paulo queres aproveitar para enviar um abraço aos teus amigos e leitores?
PfR: Desejo a todas umas boas festas e com tudo o que desejam para o próximo ano. Quanto ao abraço… ok… mas sem demasiadas mariquices. O ar tem de poder circular livremente entre nós…

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Laura Frôxa & Marta Xorona em entrevista a Nuno Pinheiro



Este é o extracto de uma entrevista, não autorizada, ao escalador e equipador de vias de escalada, Nuno Pinheiro.
Laura Frôxa e Marta Xorona conseguiram este exclusivo usando de vários ardis, incluindo o próprio desconhecimento do visado e a colocação de palavras na sua boca, que este nunca proferiu.
Trata-se de uma entrevista completamente inédita, um furo jornalístico que nenhum outro órgão de comunicação social jamais conseguiu deitar a mão e que aqui se transcreve fielmente distorcida.



Para quem não conhece, eis aqui alguns dados biográficos e curriculares:
Nuno Pinheiro nasceu em Lisboa, a 16 de Fevereiro de 1976. Mede 1,78m de altura e pesa cerca de 65 Kg. Começou a escalar há uma dúzia de anos (1995) e sempre se manteve próximo dos núcleos mais fanáticos e activos da capital.
Ao longo do tempo em que é praticante, tem viajado por toda a península e nos últimos anos também por outros continentes e destinos exóticos, sempre em busca de novos locais de escalada, exibindo, por isso, sinais exteriores de riqueza e duma estrela de boa fortuna acima do normal.
7c, 7c+ e oitavos “é aos molhos”, sem esconder e sem pavonear os seus feitos.
Regressou, à relativamente pouco tempo, de umas “férias” abusivamente longas do outro lado do oceano e retomou o seu trabalho, no ramo da informática, explorando como pode os tempos livres para escalar e equipar novas vias.
Tem sido, por isso, um dos escaladores nacionais mais prolíficos e activos dos últimos tempos

LauraFrôxa&MartaXorona: Nuno, compreendes que por esta entrevista ser totalmente fora do teu conhecimento e consentimento, isto nos deixa com um enorme poder e liberdade de te pôr a dizer as maiores barbaridades, e tu não podes fazer nada quanto a isso?
NP: Sim.
Lf&Mc: E concordas com isso?
NP: Sim.
Lf&Mc: Regressaste há pouco de uma grande viagem às Américas. Tencionas contar ao público escalador como correu essa experiência?
NP: Essa é a minha ideia. Já tenho alguma coisa agendada lá para Norte do país. Em Lisboa ainda não está nada previsto.
Lf&Mc: Então podes adiantar alguma informação quanto à apresentação do Norte?...
NP: Vai decorrer com o apoio da Loja Inchaços Naturais do Porto, em Outubro, e a seu tempo, serão divulgados mais detalhes.
Lf&Mc: Diz-se que és a antítese do escalador de “talento genético”, e tiveste de “subir a pulso” com bastante esforço e assiduidade, para crescer e chegar onde hoje chegaste. O que te leva a investir tanto da tua vida nas viagens e na escalada?
NP: Faço o que mais me motiva na vida. Há alturas em que estou mais virado para equipar, outras em que quero é sair e ir conhecer outras culturas, outras pessoas, frequentar “Círculos de Pacificação”, sempre a explorar novas escolas de escalada e novas vias, de dificuldades maiores … para depois decotar.
Lf&Mc: A decotação é realmente um traço do teu carácter como escalador. Em alguma altura ponderaste o recurso ao apoio especializado… alguma ajuda… terapia… alguma coisa?
NP: Não. Nada disso funcionou comigo. Só se for a “terapia da broca” (Um 7c que também já decotei, para que conste).
Lf&Mc: Mas não achas que insistir em promover volatilidade do grau desinforma os potenciais escaladores?
NP: Normalmente tenho alguns cuidados. As coisas não são feitas de modo irresponsável. Sigo um método que se baseia em aguardar que a pessoa encadeie a via ou que a esteja a beira de a encadear, para então aparecer e, só então, decotar à bruta, sempre com maior respeito e cara de pau. Algumas pessoas reagem mal… Além disso não sou o único a decotar. Na verdade, o processo de decotação começa antes, pelas mãos de mais um ou dois escaladores. Se por exemplo uma via nova surge proposta de 8a+, há um decotador que a duras penas lá consegue encadear. Como é da praxis, traz a via imediatamente para 8a, logo, o seguinte escalador, que até já viu a via, do chão, ao tomar conhecimento que o outro a encadeou, decota instantaneamente para o patamar imediatamente abaixo, já para evitar que um pirata qualquer se lhe antecipe. É entretanto que apareço eu, que, ao receber um telefonema a dar-me conhecimento destes ocorrências, decoto quanto antes, logo ali e pelo telefone. Não vá aparecer alguém a tentar ultrapassar-me também a mim. É que, as oportunidades têm de ser agarradas e há um limite muito sensível na decotação. Não é possível decotar indefinidamente uma via. A arte está em decotar só até aquele ponto preciso em que já começa a roçar o absurdo e as pessoas começam a olhar à volta à procura de paus e pedras. A via, ao final, rondará o 7c ou mesmo, 7c+frouxo, consensual... Se bem que às vezes… decoto é mesmo à toa!
Lf&Mc: Mas, e quando te deparas com uma via que te leva dezenas de tentativas para encadear, será que não é de reconsiderar a cotação atribuída?
NP: Não sou eu sozinho “quem faz o grau”. Eu sou apenas um peão nesta engrenagem decotadora. O Capi Di Tutti Capo é outro. Neste meio, encadear e recotar uma via já decotada, seria sempre interpretado como uma fraqueza muito maior do que o facto de não ter sequer encadeado ainda a via. Não encadear ao 50º pegue é absolutamente irrelevante, decotar sim, é vital e inadiável. As pessoas em geral, ao verem-me dar tiros atrás de tiros, acabam por atribuir uma mística de inacessibilidade à via, pensam que “se eu que sou eu” ando ali aos papéis então “o melhor evitar aquela via”, e assim, preservo as vias de ficarem demasiado frequentadas. Já repararam que em Portugal há muito menos vias polidas do que nos países vizinhos e filas para escalar?
Lf&Mc: Nuno, muitas pessoas reparam que te queixas constantemente de “não estar em forma” ou de que a via tem passos “duros demais” mas acabas sempre por os resolver. Isso não faz de ti, ainda que remotamente, um parente da Marta Xorona?
NP: Também não é tanto assim. Se alguma vez dei a entender isso deve ter sido nalguma fase em que estive seriamente lesionado e em baixo de forma. Já houve alturas em que não conseguia fazer mais do que 7c. Num desses casos, foi uma fase particularmente difícil. Numa altura em que andei a equipar uma via de quase 30 metros, uma linha de regletes pequenas e passos ligeiramente um pouco demasiado bastante longos, em Sesimbra, seria sem dúvida um bom 7c, mas como na altura estava com bastantes dores nos cotovelos, só consegui encadear a via e já não cheguei a tempo de a decotar, porque alguém o tinha feito antes de mim. Talvez um dia destes dias reveja o caso particular desta via, se me aperceber que entretanto há alguém interessado em sacar-la, e reajusta-se então (Os 40 bate-chapas, Dente de Leão, 2006).
Lf&Mc: Mas tu andas sempre lesionado… já corre por aí que serias um bom candidato a Tutankamon da escalada portuguesa…
NP: Tenho feito por isso, embora sem grandes resultados… Tenho tentado cativar patrocínios junto das Para-farmácias. Sou um desgraçadinho e só me dou por satisfeito quando vir o meu busto no Campo dos Mártires da Pátria.
Lf&Mc: O que fazes quando não estás a escalar?
NP: Se não estou a escalar é porque estou a “pendurado como um presunto”, para apurar o fumeiro.
Lf&Mc: Quando escalas ao limite (e não só) é bem conhecido de todos a tua técnica gestual do “frango no assador”, ou seja, as “asas” bem afastados e apontadas para cima, postura a que os americanos chamam de “Chickenwing”. Como explicas esta tendência?
NP: É verdade. Não há via dura que seja realmente dura se não revelar o galináceo que há em nós. Se me apanho numa via nova em que não tenha de ferrar os alicates e baixar as orelhas à altura dos ombros… aí, meu amigo… a via salta logo um número inteiro para baixo… mas é que nem vale a pena argumentar!
Lf&Mc: E nos próximos tempos? Que projectos tens, que sonhos acalentas?
NP: Há muita coisa para fazer. Ainda tenho um punhado de projectos pendentes na zona de Lisboa. Na maior parte são coisas duras que não sei se alguma vez vou conseguir sacar. Sou demasiado fraco e débil. Sou um miserável que anda sempre de férias e constantemente a sofrer de graves encadeamentos em vias lixadas. Tenho também grande vontade de explorar mais a zona de Sagres, de onde surgirão, sem dúvida, das melhores vias de dificuldade em Portugal. Algumas com grandes distâncias entre chapas onde finjo que passo demasiado medo e encadeio na mesma, porque nem mereço o ar que respiro e até parece que os resultados me caem nas mãos sem eu estar à espera, rais-m'apartam...
Lf&Mc: Tens seguido uma trajectória de polivalência nas várias disciplinas que envolvem escalada em rocha, no entanto, fazes uma excepção com a competição, apesar de te encontrares entre os escaladores nacionais com melhores resultados a nível de “dificuldade”. Isso torna-te de alguma forma um bocado maricas?
NP: Sim. Na verdade a competição tem várias lacunas a meu ver. Em competição só tens uma única oportunidade de encadear a via, ou um tempo muito limitado para resolver um só problema de bloco. Este não é o meu perfil. Eu gosto de fazer render o peixe, e uma boa via ou um bom bloco tem de levar pelo menos uma quinzena de pegues. Não é que não conseguisse efectivamente resolver à primeira, mas tal como disse, há que fazer render o peixe e, finalmente, após uma sumária e sisuda ponderação… decotar “como Deus manda.
Outra grande limitação da competição é o carácter efémero das vias. Todas acabam por ser desmontadas. Uma boa decotação distingue-se por perdurar no tempo e na forma como ilude o maior número possível de candidatos ao encadeamento. Se a via desaparece, desaparece também com ela o efeito da afronta, o chamado “Sandbagging”. Admito que se, no futuro, se resolvessem estas condicionantes, a competição poderia contar comigo, até porque, imagino que estando junto com os outros decotadores de topo, nacionais, seria interessante começar por volta das 10h00 da manhã, com uma superfinal de cotada em 8a+, ir ao longo do dia fazendo os devidos ajustes, de maneira que o ultimo atleta que fosse chamado do isolamento encontraria a via muito mais “acessível”, digamos, algo à volta do 6a+, que é, nem mais nem menos, o que actualmente se usa nas competições a sério.
Lf&Mc: Só mais uma questão para terminar: Quando é que deixas de ser pendura de blogues?
NP: O que se passa nesta altura é que agora já tenho vergonha de abrir um blog para mim porque seria o último escalador a ter um, e logo eu que não gosto de ficar em último nem a feijões. Acima de tudo, também, porque neste mundo internautico ainda falta uma escala pela qual eu possa começar a decotar os blogs… Por exemplo, este vosso passava já para IV, vá lá um IV+ por ser de “começo-sentado”…
Lf&Mc: Em nome da equipa do Escalagem damos-te os sinceros parabéns e desejamos-te as maiores felicidades. Obrigado por estes momentos.
NP: …E eu queria aproveitar só para alertar as pessoas que visitam este blog para terem cuidado porque parece-me que…