domingo, 24 de dezembro de 2006

a frouxidão da irmandade da topalhada

Foi com enorme contentamento que frequentei mais uma vez o workshop de escalada que, todos os anos por esta altura, tem lugar em Poios. O meu entusiasmo é natural; o corpo docente é composto por escaladores experimentados, que dominam na perfeição a técnica das duas argolas. Como é lógico, todo aquele que procura aperfeiçoar-se cada vez mais nesta modalidade, que busca incessantemente novos desafios e tenta forçar continuamente os seus limites pessoais, ou seja, aquele que busca ir sempre mais além, que sonha subir o que muitos auguram como impossível, inacessível, esse exemplo de força pura, de técnica moldada pelos anos e pelos quilómetros de via, de fanatismo à prova de bala… enfim, qualquer escalador digno desse nome, não vê utilidade nenhuma neste tipo de encontros. Mais do que isso, até tem vergonha de ser visto nestes ambientes. Mas eu não podia faltar a tão excelsa oportunidade de beber dos ensinamentos dos mestres na arte da topalhada.
No entanto, a fraca adesão ao jantar não passou despercebida. Só cem pessoas? Uma mera centena? Será que não conseguimos juntar mais de cem frouxos? É tudo isto que a escalada em Portugal tem para nos dar? Onde estavam todos aqueles que voam de presa em presa nos rocódromos? Porque motivo não compareceram ao workshop as centenas de escaladores, quiçá dezenas, que, magnésio líquido na mão e five-ten de cem euros no pé, são vistos, fim-de-semana após fim-de-semana, a subir avidamente os quintos degraus da guia depois de terem ido pastar às ervas para pôr a corda em top? Será que estavam ocupados a encadear oitavos, nonos e décimos numa qualquer falésia perdida em Portugal? Bom, se calhar não.
A verdade é que todos estes escaladores perderam um evento ímpar. Esta é a altura em que podemos dar largas à nossa frouxidão sem termos de dar satisfações a ninguém. Querem melhor oportunidade para justificar a falta de força sempre que se agarra uma presa mais pequena que um caixote, ou as tonturas que aparecem quando a nossa cintura fica a uma altitude superior à da expresso, com o etanol consumido na noite anterior? Mesmo que não se tenha bebido, todos sabemos como estes jantares são de digestão pesada...
Com efeito, o programa do evento foi delineado cuidadosamente de modo a nada ser deixado ao acaso. Após a lição teórica de sábado, a organização brindou os participantes com um convívio preparatório que se iria revelar completamente adequado às aulas práticas que tiveram lugar no domingo. Todos os escaladores que frequentaram a preparação da noite anterior mostraram resultados excelentes e provaram que absorveram em pleno a matéria leccionada. Não raras vezes, o vale de poios deparava-se com um espectáculo de meia dúzia de escaladores pendurados nas cordas, lado a lado, quais presuntos em fumeiro. A expressão “bloca!” foi a palavra de ordem e muitos foram os corajosos que arriscaram um “deixa nas duas, vou lá em top”. Resumindo, ninguém quis perder a oportunidade de testar o poder das duas argolas.
Para os outros, esperamos que apareçam da próxima vez. Treinar no muro não chega para aumentar a frouxidão. E este tipo de eventos só acontece uma vez por ano!

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