quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Gedeão da Frouxidão

Rocha Filosofal

Eles que não sobem não sonham
O que é esforçar-se na via
Não concreta e definida
Como outra via qualquer,
Como este granito cinzento
Em que ora subo, ora sento
Como esta calcite branca
De caprichosos torneados,
Como estes penhascos alados
Que em negro ruivo assomam,
Como estas rapinas que os tomam
Em brincadeiras de vertigem

Eles que não sobem não sonham
O que é grau, é chapa ou piton,
Tige forte ou perno bom
De aço A4 ou mero spit,
Do 8a+ ou da élite,
Numa eterna ascensão.

Eles que não sobem não sonham
Que é muro, é prumo, é buracos,
Diedro, fenda com tacos,
Bidedo, aplat, chorreira,
Crista, placa regleteira,
Pináculo dum esporão,
Contraforte, paredão,
Invertido, pinçamento,
Tendinite, dor e unguento,
Croqui, cordada, expresso,
Encadeamento, sucesso,
Que é filho de fracassos,
Vindos de sisal, arnês de laços,
Bota rígida do pioneiro,
Tentativa do primeiro,
Artificial, subprumo, atlético
em livre, sentido ético,
Encordamento, corrente,
De segundo, em top, à frente,
descensor, grigri, shunt,
mosquetão, fissura elegante,
pé-de-gato, queda, dinâmico
líquen de aroma balsâmico,
na superfície mineral

Eles que não sobem não sonham,
Que é o sonho que gera a via
que sempre que um homem sonha
o mundo estica e avança
como a corda colorida
entre as mãos de uma criança

Adaptação barrasca do poema Pedra Filosofal, In Movimento Perpétuo, 1956, de António Gedeão

3 comentários:

FCS disse...

Muito bom caro chorão! Melhor que o original!... Mas, claro, não passa de uma opinião enviesada.
abc

Hugo Peniche disse...

Excelente, mas não te esqueças que não é o sonho que comanda a vida mas sim o grau!!
Está demais;)

frouxo disse...

Obrigado, chorão!! Vou sussurrar este poema ao ouvido da ruth plannels... aposto que até lhe vão tremer as pernas!!